Home
Sweet Home.
Lar
Doce Lar.
Nem tão doce assim, mas era um lar, enfim.
Abri o portão e deixei que minha irmã entrasse com
o W, auxiliando-o a subir as escadas. Entrei na sequência e minha mãe ficou por
último. Subi as escadas ainda com a Y nos braços. Parei. Ai, que dor nas
costas!!!
O W já começou a dar voltas pelo quintal como se
quisesse conhecê-lo. Fazia questão de pisar em todas as poças d´água possíveis.
Minha mãe abria a porta, ainda trêmula e chorosa. O
rosto todo vermelho. Entrei com a Y na cozinha e não tinha a mínima idéia do
que fazer. Minha mãe a pegou em seus braços e já começou com dengo: “Oh, vovó,
eu tava com medo, vovó. Agora eu tenho uma casinha e uma mamãe, vovó.”
Mas, nenhum gesto ou palavra fazia com que a Y
tirasse aquela expressão de angústia e aqueles olhinhos avermelhados de tanto
chorar. E eu queria chorar por ela e por mim. Ela deveria estar em pânico! Onde
estava? O que fariam com ela? Treze meses num hospital, sem poder pegar
afinidade ou criar laços afetivos com alguém. Depois cinco meses num abrigo,
com outras pessoas, outros estranhos. E agora tinha um trio de choronas e outro
lugar desconhecido. Era um tsunami de emoções, nem sempre boas, que pareciam não
ter fim. Chamei o W e peguei a Y novamente em meus braços.
- Venham aqui. Vou mostrar a casa para vocês,
filhos.
“Filhos”. Como era estranho pronunciar aquela
palavra, principalmente no plural.
- É aqui que eu vou morar, mamãe?
- Isso filho. Você, a Y, a vovó, o vovô e eu.
- Vovô? O que é isso?
- É o marido da vovó. Ele está trabalhando. Depois ele
vem, tá?
- E o que é marido?
- Depois a mamãe explicar melhor. Vem, vamos
conhecer “nossa” casa.
O W soltou uma gargalhada e pulou. Colocou as mãozinhas
sobre a boca e sussurrou:
- Ai, que legal! Essa agora é minha casa! É aqui
que vou morar! Uma casa! Uma casa! Uma casa pra mim!
E lá fui eu, sentindo um vazio esquisito dentro de
mim, mostrando a casa aos dois, já procurando ficar o mais próxima possível e
tentando acalmar a Y.
- Aqui é o quartinho de visitas, onde vocês vão brincar
e assistir televisão.
Os olhinhos redondos do W brilhavam e a expressão
de alegria me tranqüilizou. Nossa, quanta ansiedade e euforia naquele rostinho
redondo também. (Puxa, agora parei uns segundos para pensar e notei o quanto
foi importante para ele este momento e eu simplesmente não registrei, nem com
foto nem com filme! Mas eram tantas coisas a pensar e organizar! Espero que eles
me perdoem por isso algum dia).
- Qual o nome disso aqui?
- Isto é um cômodo que é utilizado como quarto. Tem cama
pra gente descansar e dormir...
- É aqui que eu vou dormir, mamãe?
- Não. Vocês vão dormir lá em cima, com a mamãe e a
vovó.
- Como assim, lá em cima?
- Depois a mamãe explica melhor. Vamos continuar...
aqui é a cozinha.
- O que cozinha?
- É outro cômodo da casa onde a gente cozinha, lava
louça e come.
- Outro cômbodo?
Como assim? O que é?
Ai, começaria outra sessão de “o que é isso”.
- Se a mamãe for explicar tudo agora não vai dar
tempo. Vamos ver tudo primeiro e com o tempo você aprende, tá?
- Agora vem a primeira sala, onde a gente faz as
refeições e depois a outra sala.
- São dois cômbodos
inguais?
E assim fomos... ora a Y ficava calma ora mais
agitada.
Depois do home tour, os levei de volta para o
primeiro quarto e mostrei alguns brinquedos que eu havia comprado na Rua 25 de
Março há uns 5 meses. Lembro-me que fui fazer compras de brinquedos (baratos e
educativos) porque acabara de ser demitida e foi uma forma de distrair a minha
cabeça e ocupá-la porque já diz o ditado “mente vazia, oficina do diabo”.
Jamais imaginaria que as crianças chegariam tão cedo, num prazo de uma
gestação! Se não fosse isso, talvez não teria nada para que as crianças se
divertissem. Porém nem tudo que eu havia comprado estava dentro da faixa etária
delas. Eu não tinha idéia com que idade as crianças chegariam e fiz uma compra
variada com brinquedos entre 1 e 7 anos. Ainda tenho alguns itens
guardados porque tanto o W quanto a Y não acalcaram a idade.
Aproveitei que os dois se encantaram com aquele mar
de peças para montar e fui falar com minha querida Dona Flor.
- Mãe, é de verdade? Eu ainda não consigo me ver
como “mãe”.
- Mas precisa ver logo! – acho que levei uma
bronca.
- Como assim?
- Filha, percebeu que não tem nada pra criança em
casa?
- Mas, mãe, eu comprei os brinquedos, copos, pratos
e talheres na 25 de Março, lembra?
Dona Flor me olhou séria, mas mesmo assim mantinha
um doce olhar.
- Elaine, filha, agora você tem um bebê; na verdade
quase 2 bebês porque o W ainda tem 2 anos, praticamente. Pensou que eles vão
usar fralda? E leite? E se o tempo mudar, vai agasalhá-los com o que? Eles vão
ficar com essas roupas o resto da vida?
Levei um chacoalhão. Eram duas pessoas a mais na
casa. Não tinham chinelos nem escova de dentes. Creme dental, shampoo,
condicionador, sabonete agora eram infantis. Epa, onde dormiriam? Sim, havia
quarto sobrando, exatamente dois, ou seja, um para cada, mas eram mobiliados
com camas de solteiro. Eles ainda eram muito pequenos! E se caíssem? Nossa,
quanta coisa! E não importava a quantidade... teria que resolver naquele
momento!
Então... correr para o mercado!!! Opa, mas eu não tenho dinheiro! Calma, pára, pensa, raciocina! E iniciei uma briga comigo mesma: "E a poupança que você fez para eles? Ah, mas eu não quero gastar com isso! Mas eles precisam! Eu não queria que fosse assim! A poupança é para comprar algo legal pra eles, um carro, sei lá! Carro pra eles agora não faz sentido algum! Eu sei, mas... p o r r a... não era pra ser assim! E desde quando a vida é como se deseja? Ah, mas eu planejei, fiz tudo certinho! Pois é, Dona Elaine, aconteceu e dê graças por ter uma poupança exatamente para poder gastar numa hora desta.. Ok, você me convenceu... vou pegar o cartão!"
Segui caminho ao supermercado, em pleno 23 de Dezembro, umas 19h20min. Preciso falar como estava o lugar? Gente, gente, gente! Fila, fila, fila! Opa, mais gente, gente e gente! E fila, fila... ah, cansei de contar! Seja o que Deus quiser! E lá fui eu jogando as coisas no carrinho:
- Petit Suisse (é, o velho conhecido Danoninho... mas nem quero fazer propaganda... Batavinho, Vigorzinho, Marca Própria, Genéricos);
- Leite integral;
- Farinha láctea;
- Leite fermentado;
- Leite em pó;
- Bisnaguinha;
- Rosquinha de leite, de côco, de milho;
- Achocolatado e variados de morango, baunilha e caramelo;
- Creme e escovas dentais infantis;
- Shampoo, condicionador, creme para pentear, sabonete, colônia, talco, lenços umedecidos;
- Mamadeira? Não... melhor copo com bico;
Fralda? De que tamanho? "Moça, a gente compra de acordo com o peso da criança" - respondeu uma funcionária. Peso? Como assim? E eu lá sei quanto pesam o W e a Y...
- Fraldas P, M, G e GG (na dúvida é bom levar todos os tamanhos);
Chinelo? Que número? Hum...
- Chinelo para ela: 16/17, 18/19, 20/21, 22/23, 24/25 (algum tinha que servir);
- Chinelo para ele: 22/23, 24/25, 27/28, 29/30 (algum tinha que servir);
Roupas? Ai, meu Deus! Comecei a me perder naquela sessão!!! Números 1,2,3 pensei. Certo? ERRADO!!! Pensei em comprar no "olhômetro", mas também desisti. Preciso contar que parte do que comprei não coube e outra parte ainda nem foi usada? Na verdade eles acabaram ficando com pouquíssimas roupas. Só fui acertar o guarda-roupas depois do Ano Novo porque era uma inferno fazer compras com calma entre do dia 23 e 30 daquele mês.
Para resumir e fechar este post: o dia 23 de Dezembro foi tenso, muito tenso, mas ainda não acabou... foi um dia que me senti grandiosamente incompetente, despreparada, inexperiente. Tive vontade de não voltar para casa, mas não entendo até hoje o motivo. Quando estava na fila do caixa, chorei horrores. As pessoas se preocuparam comigo, queriam ajudar, me deixar passar na frente, mas eu não sabia o que queria; só sabia que não queria chegar logo em casa. Ter que enfrentar uma realidade que não era a minha, ter que lidar com coisas grandiosamente novas, ter que recriar uma rotina e um novo mundo onde não mais existiria um "eu" - agora era "meus filhos e eu" - me deixava extremamente desesperada. Eu alcançara e realizara um sonho, porém naquele instante eu queria estar dormindo e acordar tendo a certeza que tudo fora imaginação. Não adiantava me beliscar; estava anestesiada. Não conseguia e não queria que fosse assim... eu queria estar na minha casa, com tudo mobiliado, comprar tudo o que precisariam sem ter que usar a poupança... eu queria poder comprar do bom e do melhor e tudo que não tive. Era para eu estar feliz e não desapontada daquela forma. A imagem, quase surreal, que se formava na minha mente era: estar ali, no supermercado, com as crianças, felizes, comprando o que elas escolhessem sem me preocupar com o valor e sim com o prazer que cada item proporcionaria para elas; depois pagar, entrar no meu carro e seguir para minha casa, satisfeita, completa, uma mulher de verdade. E todos os sentimentos eram inversos. Sentia-me inútil, vazia, incapaz, diminuída. Não eu não queria lidar com aquilo!
Porém, no mesmo instante me lembrei que tanto o W quanto a Y precisavam de mim.
E segui caminho para casa, mesmo sem saber o que fazer.
Continua...