Vamos recapitular os últimos acontecimentos:
- Fui conhecer as crianças no abrigo no dia 17 de Dezembro de 2009.
- Tive os dias 18 e 19 de Dezembro para tomar a decisão mais importante da minha vida.
Então, no dia 20 de Dezembro de 2009 liguei para o Fórum e confirmei com a Sra. X que ficaria com o W e a Y.
Fui orientada a fazer a adaptação, que constava em visitar o abrigo durante um período e ficar com as crianças até que o responsável avaliasse o meu envolvimento com elas. Minha adaptação foi estabelecida:
Dias 21, 22 e 23 - Passaria a tarde com o W e a Y no próprio abrigo
Dia 24 - Os levaria para passar o Natal em casa
Dia 26 - Os levaria para o abrigo
Dias 27, 28 e 29 - Voltaria com a rotina de passar a tarde com eles
Dia 30 - Os levaria para passar o Réveillon em casa
Dia 02 - Levá-los novamente para o abrigo
Depois disso continuaria com a adaptação sempre no período da tarde até que eles fossem liberados (ou não) para ficarem definitivamente em casa e dar início ao processo de consultas e avaliações com assistentes sociais e psicólogas, ficando com guarda provisória até que ambas aprovassem o pedido de adoção para, futuramente, ser encaminhado ao Juiz para assinatura e liberação para novo registro em cartório, com meus dados.
Mas... não foi bem assim que as coisas funcionaram na prática...
Nos dias 21 e 22 segui o ordenado. Fui sozinha porque Dona Flor dizia que não aguentaria ficar apenas uma tarde com eles e ter que deixá-los lá.
No dia 21 quando cheguei ao abrigo tive contato com outras crianças. Minha "integração" com o W e a Y seria como no dia a dia deles. E foi aí que eu passei por emoções também marcantes. Em menos de um minuto, fui rodeada por muitas crianças, com olhos perdidos, brilhantes e desesperados. Abraçavam minha perna e as mesmas pareciam gritar em coro:
"Você veio escolher alguém? Você vai ser mesmo a mamãe do W? Por que você escolheu o W e não a mim? Tia, escolhe eu... Tia, leva eu..."
Eu ficava numa situação horrível, dolorida. Mesmo que eu soubesse que daria a oportunidade de dar um lar para duas crianças, continuava magoada ao saber que tantas continuariam ali, na expectativa de um dia sair dali, ter um lar, uma família, um pai ou uma mãe. Não estou aqui falando que o abrigo fosse um lugar sinistro, muito pelo contrário, ele tinha vida, os funcionários eram alegres e dedicados a cada criança. Era notável, em cada criança, o cuidado com os cabelos penteados, unhas cortadas, roupas limpas e rostinhos corados. Participei do almoço e vi que eram bem alimentadas, com legumes, frutas, sucos. Mas, evidentemente, nada se compara a um lar, uma família, o aconchego de braços maternos e paternos para abraçar e sentir carinho. Ah, que vontade de levar todas para casa!
Era hora do almoço e todos foram encaminhados ao refeitório. Cada criança foi se acomodando nas cadeiras e eu avistei uma ala onde só haviam cadeirões e bebês. As funcionárias alimentavam os bebês com papinha e logo fui chamada para fazer o mesmo com a Y. Oh, meu Deus, que medo senti! Era uma situação nova; eu nunca dera comida para nenhuma criança, independente do tamanho. Mesmo munida com muita inexperiência me aproximei e a primeira coisa que ouvi foram os berros da Y. Eu, desesperadamente já fui colocando uma colher cheia de papinha na pequena boca da Y, imaginando que ela berrava por fome. Oh, engano! Além do berro continuar, ela cuspiu toda papinha no meu rosto, cabelo, pescoço e colo. E a minha cara de tacho apareceu... eu tentei cantar para ela, bati palmas, fiz aviãozinho... mas nada! Aquele chororô começava a me deixar em pânico. Sem contar a sensação de estar sendo observada por todos os adultos presentes. Era uma prova, um teste e eu sentia que poderia reprovar. Aqueles 20 minutos foram, na verdade, 2 horas pra mim. Com muita dificuldade consegui que a Y comesse tudo e tomasse o suco. Fui ao encontro do W, que já terminava a refeição praticamente. Ao menos, pude auxiliá-lo para limpar as mãos e a boca.
Depois disso, a Y foi dormir e eu fiquei com o W. Um momento muito gostoso onde brincamos muito, montamos quebra-cabeças, o empurrei nos balanços e gira-gira e observei enquanto ele "pilotava" a motoca. Então, a Y acordou e fui pegá-la. Um momento não tão prazeroso quanto com o W, mas eu sabia que era muito importante. Eu precisava fazer com que ela confiasse em mim para que eu pudesse me aproximar. A maior parte do tempo ela chorava e babava. Eu só conseguia distraí-la por alguns momentos nos brinquedos do mini parque, mas ela enjoava rápido da brincadeira e as lágrimas começavam. Então era obrigada a inventar nova distração. Aproveitava também para aproximá-la do W, para criarem laços afetivos, mas era difícil... ela mordia, batia no rosto dele, jogava os brinquedos pro ar. Ai, ai... e eu ali, sozinha, sem ninguém para me orientar, conversar e me descontrair. Pelo contrário, os olhos que me perseguiam só me avaliavam. Juro que por diversas vezes precisei segurar as lágrimas porque eu estava me sentindo incapaz de cumprir a difícil missão de conquistar a Y. E enquanto tudo isso acontecia, eu também precisa conversar, interagir com o W, porque ele insistia em fazer as mesmas perguntas, como se me pressionasse a tomar uma atitude o quanto antes:
"É hoje que eu vou pra sua casa? E cadê a vovó? Você demorou muito pra voltar, mamãe. Eu pensei que você não me queria. Eu já fiquei bastantão aqui agora eu tenho que ir pra sua casa ver minha vovó. É hoje que você me leva? Quando é que eu vou conhecer a sua casa? Quando é que eu vou pra lá, hein?"
Como meu coração ficava apertado. Que vontade louca de pegá-los no colo e sair correndo dali. Mas, eu nada poderia fazer.
E assim, concluí a adaptação do dia 21. A visita do dia 22 não foi muito diferente. Só o desespero do W crescia; havia tanta ansiedade dentro dele que às vezes eu sentia que ele me pegaria pela mão e sairia correndo dali. Nesses momentos eu respirava profundamente e procurava manter a calma e a paciência. Puxa, era tão difícil! Agora faltava a adaptação do dia 23...
Então, dia 23 de Dezembro fui ao abrigo, livre, leve e solta, já que apenas participaria da festinha de aniversário. Minha irmã me acompanhou porque ainda não tivera a oportunidade de conhecê-los. Toquei a campainha. Houve uma pequena demora, como de costume. Então a Sra. F abriu o portão e me deu uma inesperada notícia.
Continua...