quinta-feira, 22 de setembro de 2011

PRESENTE DE ANIVERSÁRIO, PRESENTE DE NATAL


- Entrei em contato com a assistente social, a Sra. X, e fiz sua avaliação. Hoje você já pode levar o W e a Y. E não precisa trazê-los mais. Agora é tudo diretamente com o Fórum.

Foi assim: de maneira curta, grossa, clara e objetiva que a Sra. F me deu a notícia.
Entrei em choque. Colapso. Nada saiu de minha boca, apesar da mesma estar aberta. Não sei se fiquei com a minha famosa cara de tacho ou com um lamentável ponto de interrogação.
Na verdade o que eu ouvi foi: "TOMA QUE O FILHO É TEU!"
Minha irmã só faltou bater palmas e eu estava ali, imóvel, estática, tentando forçar um sorriso amarelo.

"Meu Deus!!! Como assim? Hoje? Mas por quê? Não era amanhã? Tá falando sério? É de verdade? Real? Sem brincadeirinha? Vou assim, levá-los, como cães e gatos? Se tirá-los daqui serei oficialmente mãe? Tão rápido? Nos vimos apenas 3 vezes; essa será a quarta! E todas as decisões agora serão minhas? E se...? Mas, o que...? E de repente se eu...? E quando eles...? Eu não posso mais...? Mãe? Você quis dizer mãe mesmo? Não foi tia? Não? E se por acaso algum dia eles...? MEU DEUS!!! Como assim???"
Zilhões de perguntas eram formadas em meu cérebro perturbado. Em fração de segundos consegui fazer uma retrospectiva da minha vida... pensei em mim com 7 anos, numa sala de aula e um filme avançou aceleradamente de forma que não pude parar... de repente eles estavam fazendo 18 anos! Nossa, eu tinha um bebê no colo e alguém me chamava de vovó!!! 
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Se não fossem minhas pernas bambas, trêmulas e mesmo assim fincadas ao chão, eu teria corrido 20, 30, 50, 100 km.

E com toda frieza natural, a Sra. F prosseguia:
- Já mandei separar os documentos que temos deles. Depois da festinha, tudo que acontecer será de sua responsabilidade. Entre em contato com o Fórum o mais breve possível para regularizar a documentação. O que é de ordem minha, está encerrado. Dúvidas? Não, né? Até porque não vou ajudar em nada. Bem, você queria 2 filhos e os encontrou. É isso aí... boa sorte.
Só faltou um "Agora se vira" para fechar com chave de ouro.
E a Sra F. nos encaminhou à parte superior, onde aconteceria a festinha e voltou-se à recepção.

Olhei para minha irmã: Caralho! E agora?
De cara fui repreendida: Olha a boca! Esqueceu que você está num abrigo? Tem criança, tá vendo não?
- Zane do céu! E se eu tivesse sozinha, o que faria?
- Calma que tem jeito pra tudo. Relaxa, sossega, se aquieta e curte a festa de 3 anos do seu filho.
E minha irmã me deixou falando e foi interagir com as crianças; ela que tem mais de 15 anos de experiência com pré escola e ensino fundamental como professora. E eu? Eu e minha cara de tacho! Minha cara de tacho e eu! Mas, em poucos minutos, trouxeram o W e a Y para que ficássemos juntos o quanto antes.
O W, ao me ver, correu e abraçou minhas pernas aos gritos:
- Mamãe, mamãe, mamãe!!! A tia me falou que é hoje que você vai me levar pra sua casa. É verdade?
- S - s - sim. -mesmo monossilábica a resposta não queria sair.
- Então quer dizer que eu não vou mais ficar aqui? E cadê a vovó?
- Ela está em casa.

- Oba! Vou conhecer a sua casa e ainda vou ficar com a vovó!
E, todo entusiasmado, eufórico, correu em direção às outras crianças já contando a novidade e enfiando uma coxinha inteira na boca. Pulava sem parar. O que será que ele estava sentindo? Claro que imaginei felicidade, mas será que não havia uma pontinha se quer de medo? Afinal de contas ele iria para um lugar novo, desconhecido e iria praticamente sozinho, já que ainda não compreendia que a Y era sua irmã e tão pouco possuía laços afetivos ou fraternos com ela. Nossa, que segurança invejável! Apenas 3 anos e estava ali, pronto, preparado para um "nada", mas certo que seria feliz.


A Y estava em meu colo. Não chorava, mas resmungava, e muito! Não adiantava brincar, fazer careta, morder a barriga ou fazer cócegas... a expressão fechada predominava naquela face tão branquinha. Minha irmã se aproximou para conhecê-la e ficou pasma com a seriedade dela. Claro, ela não foi para o colo da minha irmã. Mas também não estava no meu colo com alegria. Na verdade ela até mantinha distância... não colocava as mãos em mim e quando eu a puxava para dar um abraço ou um beijo, a Y sempre se esquivava. Não quis comer nada. O que eu colocasse na boca dela, havia um prazer grandioso em cuspir... de preferência na minha roupa, cabelo e rosto! 
Nada agradava, nem doce nem salgado. Nem refrigerante de laranja, guaraná, uva, limão ou cola. Parece que ela fazia questão de encher a boca com a maior quantidade de líquido só para ter o prazer de cuspir em mim. Tentei colocá-la   junto com outras crianças... cruzava os braços e fazia bico. Procurei os brinquedos e tentei envolvê-la... nada! Ao menos, não chorava. Resmungava muito no idioma dela, mas pelo menos eu nada entendia! Porém notei uma coisa muito legal: no meio de tanta gente, eu era o ponto de referência dela. Quando a deixava no chão e me afastava, percebi que ficava me procurando atentamente. Quando me achava, tentava se arrastar até chegar a mim. Querendo ou não, havia algo no ar, porém eu nem sabia o que era; provavelmente ela tão pouco.

E chegou a hora de cantar "Parabéns". Ouvi todo mundo falando: "Cadê a mamãe dele? Ei, mãe, vem ficar ao lado do seu filho! Vamos cortar o bolo!
Fiquei meio perdida, parece que não era comigo! Que sensação estranha!

Minha irmã pegou a Y no colo e eu rodeei a mesa, para me aproximar do W. E juntos cantamos e cortamos o bolo, mas eu não compreendia porque fazia aquilo! Meu Deus... acordei... caí na real... eu era mãe! E a sensação de ser mãe aumentou quando precisei pegar a Y no colo novamente porque ela chorava muito. E eu me dividi. Havia um menino completando 3 anos e uma menina de 18 meses. Eu era mãe dos dois. O quê? Mãe? De 2? E o W a todo momento abraçando e beijando minha perna... e a Y no meu colo, resmungando, claro


Parece que eu vivia um sonho... tinha a impressão que aquela sensação acabaria em breve. Não, ela não acabou. Perdura até hoje. E muito mais forte.


Para a surpresa de todos que estavam ali, reunidos, entra um senhor caracterizado de Papai Noel. Então a festa se dividiu: de um lado as crianças que amavam o bom velhinho e do outro, os que tinham pânico! E meus filhos estavam do lado do horror! Como o W e a Y choravam! Quanto desespero! E minha irmã e eu tentando confortá-los. Depois que a confusão foi acalmada, começaram a ser distribuídos presentes.
Fiz então uma descoberta incrível, maravilhosa, espetacular! Estava na minha cara todo o tempo! Como não percebi???

Era 23 de Dezembro. Aniversário do meu filho. Antevéspera de Natal.
Meu filho ganhara um lar, uma mãe, uma família de presente de aniversário.


Eu ganhara dois filhos, duas crianças para amar, educar, dividir uma vida comigo... sem sombra de dúvidas: o melhor presente de Natal que eu poderia ganhar!

Estava chegando Jesus... em breve nasceria um Yeshua...

Continua...