Precisarei de 2 ou 3 capítulos para compor o primeiro dia em que tudo aconteceu; tudo que senti.
Substituirei o nome de algumas pessoas por letras, para garantir a privacidade das mesmas.
- Mãe, meus filhos. Eles estão chegando...
Substituirei o nome de algumas pessoas por letras, para garantir a privacidade das mesmas.
"Era 17 de Dezembro. Aproximadamente às 9h30min o celular tocou. Não nego que fiquei ansiosa já que o primeiro pensamento que me veio à mente foi sobre proposta de trabalho. Atendi. Era do Fórum da Lapa, a assistente social. Imaginei que era para marcar uma nova audiência devido o processo de adoção. Mas não, era algo bem diferente:
- Olá, Elaine. Sou a Sra X, assistente social do Fórum da Lapa, tudo bem? O motivo do meu contato é para falar que há um casal de irmãos disponível para adoção e eu quero saber se você deseja conhecê-los.
De ansiosa, eu passei a desesperada. Hein? O quê? Adoção? Um casal? Como assim?
Como fiquei muda a assistente social prosseguiu:
- Bom, vou te falar um pouco sobre as crianças. Seus nomes são W e Y. O W é um menino de 2 anos e 11 meses. A Y é uma menina de 18 meses. Eles são irmãos, dos mesmos pais.
- Nossa, assim tão rápido! - foi a única coisa que consegui dizer.
- Acabamos chegando em seu processo porque as pessoas que estavam antes na fila de espera acabaram conhecendo e optando por não ficarem com as crianças. A história de vida deles é um pouco diferente...
E então, a Sra X começou a contar a triste história das crianças... eu fiquei estática, ouvindo, imaginando e, inevitavelmente, ficando emocionada.
- A menina tem cicatrizes de um acidente. Ela foi vítima de um incêndio com apenas 20 dias de nascida. Os pais deixaram os dois irmãos, dormindo num barraco e também uma vela. Bem, resumindo, o barraco pegou fogo... o menino W, que tinha 1 ano e meio e já andava conseguiu esquivar-se do fogo, mas a menina Y foi atingida no lado direito do corpo, principalmente na face, na mão, inclusive acabou perdendo um dedinho. Também tem sequelas no couro cabeludo. A Y já passou por 5 cirurgias e não corre nenhum perigo de vida agora. Porém tem muitas cicatrizes e deformações. O tratamento dela está garantido pelo Hospital do Servidor Público. Ainda tem, em média umas 5 cirurgias plásticas para fazer, mas é um tratamento delicado e demorado. Ela ficou hospitalizada por 13 meses e devido ao acidente, agora e que está começando a andar e balbuciar sons. Ainda usa fraldas, não pode ficar exposta ao sol e é uma criança muito carente porque por ter ficado tanto tempo internada sem contato com ninguém, apenas com a junta médica e enfermeiras. Por causa do afastamento de 13 meses, os dois, W e Y, ainda não assimilam que sãos irmãos. Enquanto ela passou 13 meses no hospital, o menino W ficou no abrigo, sem contato com ela. Os casais que foram conhecê-los queriam ficar somente com o menino, mas, neste caso em especial, o juiz determinou que os dois não poderão ser separados. Então, Elaine, eu preciso saber se você quer conhecê-los sob essas condições. Ao mesmo tempo quero deixar claro que você pode conhecê-los, mas, em hipótese alguma é obrigada a ficar com eles. Caso haja algum tipo de rejeição por sua parte, é só nos dizer, não há problemas. Você voltará para a fila de espera. E eles serão encaminhados para adoção internacional, pois não há mais nenhuma pessoa no Cadastro Nacional de Adoção que se enquadre nas necessidades mínimas para a adoção. E na adoção internacional, os preconceitos e exigências praticamente não existem por parte dos adotantes. O número de adoção internacional de crianças com problemas mentais e físicos, negros e portadores de HIV são 5 vezes maior do que a adoção nacional. Então, Elaine eu preciso saber se você quer, a princípio, conhecê-los.
Minhas pernas tremiam, assim como o resto do meu corpo. Não sentia o chão. Não enxergava nada ao meu redor. Sei que houve um silêncio profundo e perturbador; provavelmente muito mais longo do que eu imagino hoje quando me lembro deste momento. Qual foi minha resposta? Puxa vida, juro que não sei. Juro que não lembro o que disse. Mas, com certeza, deve ter sido um sim ou algo que soasse positivo porque na sequência ouvi algo mais ou menos assim:
- Então vou emitir a permissão para que você possa entrar no abrigo e conhecê-los. Você pode vir buscar a permissão hoje? Porque eu também preciso entrar em contato com o abrigo para falar de você.
Bem, provavelmente minha resposta foi sim. Não me recordo. Só sei que quando voltei a ter os sentidos, o telefone estava mudo e ainda próximo ao meu ouvido. Atordoada, desci as escadas vagarosamente e fui ao encontro da minha mãe, aos prantos. Abracei-a o mais forte que pude e só me lembro de ter sussurrado:
Permanecemos por muitos minutos ali, na sala, talvez por horas, abraçadas e chorando muito. Nada conseguíamos falar, mas os corações ouviam tudo que se passava em nossas mentes.
O processo que deveria durar em média de 4 a 5 anos, de repente, havia diminuído para 9 meses, já que eu fora aprovada para a adoção no mês de Março e estávamos em Dezembro.
Coincidência ou não, coisas do destino ou não, dedo de Deus ou não, eram aproximadamente 36 semanas, o período de uma gestação.
Coincidência ou não, coisas do destino ou não, dedo de Deus ou não, eram aproximadamente 36 semanas, o período de uma gestação.
E foi então que, depois que consegui me acalmar e segui caminho ao Fórum para retirar o termo de permissão para entrada no abrigo, eu estava começando a compreender, mesmo inconscientemente que o melhor lugar para se gerar um filho é no coração!
Continua...