quinta-feira, 18 de agosto de 2011

FINAL DE NOITE


É tanta coisa se passando pela minha cabeça, que às vezes eu acabo por dar importância à coisas tão insignificantes que nem me dou conta. Ao menos tenho tido boas oportunidades de notar e admitir essa falta de tolerância e, na maioria das vezes, consertá-las.
Ontem foi um dia tenso em todos os sentidos - mas não vou me aprofundar nos meus tumultos cotidianos - e foi automático que eu repassasse certas emoções ao meus pequenos filhotes.
Praticamente passei o dia aos berros, sem paciência, exigindo deles posturas e atitudes tão ou mais adultas que as minhas. Parece que meu senso de realidade não enxergava que são crianças que não chegam nem aos 5 anos de idade.
E parece que quanto mais a gente briga, esbraveja, grita, mais as coisas ficam difíceis de serem controladas. Assim, ao chegar o fim da noite, eu estava cansada, apática, irritada e com uma grande angústia a corroer-me a alma.
Estão os dois de pijamas e dentes escovados.
Enquanto subimos as escadas, a Rebecca pede:
- Mamãe, conta uma historinha hoje?
Preciso falar que minha resposta foi não? Áquela altura eu só queria vê-los dormindo para poder descansar. Mas não me contive em dizer apenas não: expliquei o motivo.
- Hoje vocês não merecem! Desobedeceram muito a mamãe. Eu precisei pedir mil vezes pra vocês ficarem quietos. E vocês não me ouviam de jeito nenhum. Então hoje vão ficar sem historinha.
Pelo incrível que pareça, não houve lamentação. Ambos deitaram quietos. Cobri a pequena, dei um beijo e um abraço de boa noite. Antes que eu pudesse cobrir o Biel, ele senta e me olha:
- Desculpa, mamãe. A gente não vai mais fazer isso! É que o dia estava tão legal. Teve macarrão na escolinha que eu adoro muito. Depois a vovó chupou cana com a gente. Eu brinquei de bola com a Bebecca. A gente foi na casa da tia Cheche. Eu estava muito feliz e por isso não queria ficar quieto. Eu não queria que a noite chegasse. Desculpa por ter deixado você tão triste.
Toma, Elaine, outra bofetada! Ali, vendo aqueles olhinhos me pedindo perdão, eu enxerguei o quanto fui ignorante. E aqueles mesmos olhinhos me pediam paciência, porque são crianças. Meu Deus, meu filho curtindo o dia, sentindo felicidade e o que foi que eu fiz? Gritei, gritei, gritei. E por quê? Porque ele não parava de pular ou porque enrolou um pouco mais para tomar banho... porque esperou que eu repetisse 3 vezes que era para abandonar o quintal e entrar ou porque estava comendo devagar porque gargalhava com a irmãzinha na mesa.
Ai, que vontade de bater com a cabeça na parede. A bofetada imaginária que eu levava doía nas duas faces. E eu só consegui permanecer em silêncio, com vergonha da minha estupidez.
Abracei-o e apaguei as luzes.
Entrei no meu quarto e uma lágrima grossa e quente ardeu em meu rosto.
Ah, não perdi a oportunidade... corri na estante, peguei um livro e corri falando alto:
- A história de hoje é da "Galinha Sem Ovo Na Boca do Povo"...
Sei que não consertei tamanho estrago, mas, ao menos, tentei remendar.

domingo, 14 de agosto de 2011

PAI?


O dia que se comemora hoje sempre foi uma das datas mais amargas para mim.
Durante uns 2 ou 3 anos eu tentei mudar. Em conjunto com minha irmã, comprei presente, entreguei, fingindo que havia esquecido tantas cenas ruins que estavam na minha memória, colocando um sorriso frio e amarelo na face e mentindo pro meu coração que as chagas já estavam fechadas e cicatrizadas. Mas de nada adiantou... assim como nunca consegui dizer "Feliz Dia dos Pais" também nunca ouvi um "Obrigado, filha".

E para deixar o meu dia mais amargo e intolerável presenciei uma cena que realmente me machucou muito mais que deveria. Sei o quanto fui egoísta naquele momento, mas não vou negar que ao ver meu pai brincando de esconde-esconde com meus filhos hoje, entre gargalhadas, abraços e beijos, eu rebobinei automaticamente um vídeo de recordações. O incrível é que não consegui encontrar nenhuma imagem que fosse, ao menos, parecida.  O que me veio à memória foi um momento de agonia, que eu corria atrás de um homem que na verdade eu nem conhecia (porque não parecia meu pai nem tinha comportamento de pai), pedindo e chorando para ele não jogar a tv de 12" no meio do quintal porque eu gostava de assistir o "Balão Mágico".

Já admiti que fui egoísta. Sorte dos meus filhos por terem um momento tão gostoso e divertido. Sorte a do meu pai que finalmente está podendo ser pai com netos. E azar o meu que não tenho como resgatar esse momento. Mas fechei os olhos e, chorando, muito magoada falei com Deus: "Obrigada, Senhor, por esse momento na vida do Gabriel e da Rebecca. Obrigada por eu estar conseguindo dar a eles tudo que não tive e que talvez eles nunca teriam. Só eu sei o quanto isto é importante para a formação psicológica deles."

Existem lacunas, espaços vazios, campos em branco na história da minha vida... e o maior espaço está exatamente no período de infância. Não me lembro de uma presença masculina ou um símbolo de "pai". Acabo de revelar aqui o porquê da minha decisão em ser mãe solteira... para mim só importa mesmo mãe. E eu quero ser exatamente aquilo que minha memória gravou: uma mãe-pai.

Segue agora um texto muito antigo que escrevi... mas eu ainda não mudo uma palavra...

Eu sou seu espelho
Eu sou a semente que você plantou
E se esqueceu de regar.

Você me transformou
Não permitiu que eu evoluísse
Me trancou dentro de mim
E mesmo assim todo o problema é meu.

Me fez acreditar que todos eram como você
E eu me choco ao encontrar emoções
A minha e a sua frieza me machucam
E eu não queria tê-la.

Cada vez mais eu desço
E tento encontrar uma parte minha
Porém tudo que encontro é seu
Eu já não tenho mais forças
Para sair do meu corpo
Meus olhos, minha boca,
Minhas mãos, meu coração
Estão trancados
E você destruiu as chaves.

Sou ainda tão jovem
E já tão cansada da vida
Porque eu me perdi
Eu perdi minha vida para você.

Você não deixou que eu experimentasse
Me afastou, me prendeu
Me matou e não percebeu.

Não quero o fruto do seu trabalho
Não falo de dores físicas
Mas o que é um relacionamento sem relacionamento?
Você me fez adulta antes do tempo
                                 
E eu perdi minha pureza
Agora só tenho o medo de sentir medo
E uma pessoa dentro de mim
Que não conheço.

25/11/97
13h22min