sexta-feira, 2 de setembro de 2011

ABANDONEI A SEGURANÇA DO MEU MUNDO POR AMOR

Posso dizer que o primeiro ato foi apresentado. 
Ainda tem muita coisa para ser escrita e muitos momentos a serem compartilhados. Espero que continuem lendo...


Não sei quantas caixas de lenços ou quantos rolos de papel higiênico consumi aquele dia, tentando enxugar as lágrimas que escorriam sem parar.


Então Dona Flor entrou na sala. Claro, com lágrimas nos olhos. Ficou imóvel. Olhou para os quatro cantos até que encontrou o W e a Y. De súbito, levou as mãos à boca, como se quisesse esconder a surpresa que tivera. Nossos olhos se encontraram e eu deixei um sorriso escapar mesmo no meio de tantas lágrimas.
- Quem é você? - perguntou o W.
- Eu? Eu... eu... eu sou a... eu sou... eu sou a mãe dela. - e apontou para mim.
- Mas o que você é minha? - insistiu o W.
Minha mãe me olhou espantada e eu fiquei imaginando a resposta que ela daria.
- Como assim?
O pequeno W colocou as mãos na cintura, olhou para o teto com aquela expressão de indignação.
- Ué, se ela vai ser a minha mamãe, você vai ser o que "de mim"? Você tá falando que é a mamãe dela então quer dizer que eu vou ter duas mamães? Ou eu fico com uma e ela (se referia a Y) vai ficar com a outra?
E cruzou os braços, apreensivo por uma explicação.
- Elaine do céu!!! - Dona Flor me olhou desesperada. - O que eu faço?
- Fale a verdade. Sem enfeitar. Sem enrolar. Seja direta.
- Mas... - retrucou.
- "Mas" nada! Mãe, não existe conto de fadas. É o que é e ponto.
O W continuava com os braços cruzados esperando a resposta enquanto a Y no canto, nervosa e resmungando muito jogava dados contra a parede.
Minha mãe se abaixou.
- W, eu vou ser a sua vovó. Quer dizer, não sei. Se ela, que é minha filha, virar sua mamãe, eu vou virar sua vovó.
- Não tô entendendo nada! - disse o W, com expressão confusa.


Nem eu entenderia! Essa coisa de "vivar mamãe" e "virar vovó" me fazia pensar no Clark Kent, dentro de uma cabine telefônica, trocando de roupas e "virando" o Super Homem.
Mas, para nossa sorte, o W não se esforçou muito para entender e logo foi mexer nas folhas de sulfite e lápis de cor. Ufa, ainda bem!


E minha mãe tentou interagir com a Y e, como eu esperava, não obteve sucesso algum. Ela se quer virou para conhecer a Dona Flor que ficou com aquela cara de paisagem, voltou-se e foi desenhar com o W.


Bom, chegara a hora. Não tinha como escapar. Precisava, ao menos, tentar me aproximar da Y mais uma vez. E fui tentando... tentando... tentando...


Peguei uma bola e joguei... a Y não me olhou. Tentei fazer uma pirâmide com algumas peças, mas quando eu já estava no topo, ela empurrou com as duas mãozinhas e derrubou tudo. Peguei uma boneca e tentei ensiná-la a ninar e a dar comidinha; ela tomou a boneca das minhas mãos e jogou longe. Meu Deus, os brinquedos estavam se acabando e eu não conseguia chamar a atenção dela!


Então vi um cachorrinho de plástico, cor de rosa, jogado num canto. Me abaixei para pegá-lo e voltei engatinhando.  E comecei a latir (nem tinha sido declarada mãe oficialmente e já estava pagando mico por causa de filho). Pelo incrível que pareça, o meu latido chamou atenção e ela olhou  para mim desconfiada, com a boca aberta, língua de fora e muita, muita saliva escorrendo. 
Opa, achei uma brecha! Então comecei a fazer uma sessão de latidos, enquanto passava o cachorrinho de plástico nas perninhas dela. Eu esquecera que estava num abrigo e me comportava como um morador de um canil. Mas... ei... eu ouvi... sim... acho que ouvi... foi uma risada? Sim, ela riu! Então soltei o cachorrinho de plástico cor de rosa nas pernas dela e comecei a fazer cócegas na barriga. E conquistei sua confiança assim... e ela sorriu, riu, gargalhou.
Mas não pense você que isto aconteceu em 5,10 minutos. Passou-se mais de uma hora para que eu conseguisse chamar a atenção. 
E foi então que eu, muito na dúvida, falei baixinho: "Vem, me dá um abraço!"


Tive o melhor momento do dia 17 de Dezembro... ela, com muito esforço, tentou ficar de pé. Me olhou, procurando equilíbrio e, como num piscar de olhos, deu dois passos e caiu no meu colo, passando os bracinhos em volta do meu pescoço.
Seria aquilo um sinal? Milhões de coisas se passaram na minha mente. 
O mundo parou quando senti que agora ela me dava um abraço bem apertado. Ah, que coisa divina, meu Deus! Que sensação boa era aquela que eu nunca havia sentido? Meu coração ficou leve e fechei os olhos deixando que aquele momento durasse o quanto fosse necessário. Senti também meu ombro todo babado, mas e daí? Será que era aquilo que as mães experimentavam quando um filho as abraçava? Pelo incrível que pareça, não chorei. Eu caí na gargalhada junto com ela. Estava rindo sem saber, sem entender, sem me preocupar com que havia em volta.


Então vi a Sra. S e o Sr. M entrando na sala sorrindo. O Sr.M era um dos responsáveis  pelo abrigo também.
- Ela nunca fez isso com ninguém! - disse a Sra. S.
- Nenhum dos casais que vieram aqui conseguiram  se quer pegá-la no colo. - completou o Senhor M.
- Estou indignada! Jamais imaginei que isso fosse acontecer!


E aí eu fiquei novamente com o coração e mente confusos. "Por que comigo?" Algum sinal? Era Deus escrevendo no livro da minha vida?
Não, Deus não estava escrevendo no livro da minha vida. Deus estava escrevendo no livro da vida dela. Ele sussurrava para a pequena Y que aquela mulher diante dela não a rejeitava. Aquela mulher que havia entrado por aquela porta era a escolhida por Ele e ela tinha a missão de dividir o peso da cruz que ela carregava.


"Sim, Y, é ela! Confie. Esta mulher que você vê foi a escolhida, há muito tempo. É ela quem irá protegê-la, amá-la e educá-la. Vocês estão se conhecendo agora, mas o caminho de vocês já estava traçado antes mesmo do seu nascimento. E, finalmente, chegou o momento das suas vidas se cruzarem. Ela te esperou por anos, Y. Ela te gerou no melhor lugar que se pode gerar um filho: no coração. Lembra o quanto pedi para que você fosse forte o bastante porque tinha uma pessoa à sua espera? Recorda-se dos momentos que eu estive ao seu lado pedindo que lutasse um pouco mais porque tinha que mudar a vida de outra pessoa? Você e seu irmão também foram escolhidos para mudar a vida desta mulher, assim como ela transformará toda a vida de vocês. Fique tranquila e relaxe. Vocês já são mãe e filha há muito tempo.Você, seu irmão e ela já são uma família que eu uni por razões diferentes, mas com um grande propósito."


E daquele momento em diante, tudo aconteceu naturalmente.
A Y também começou a interagir com minha mãe e com o irmão W. E ficamos ali, mais algumas horas, ouvindo instruções do Sr.M e da Sra. S em relação à rotina deles.
O que achei mais incrível foi a confiança que o W transparecia. Sem hesitar, me chamava de mamãe e quando se referia à minha mãe, era vovó. Brincávamos como se nos conhecêssemos há anos. Ele não tinha insegurança. Estava confortável, convicto. Aquele rostinho feliz e sorridente parecia ter encontrado algo que ele esperava, mas sabia que estava prestes a chegar. 


Infelizmente, chegara o momento de partir.
Me despedi deles e ouvi o W perguntar por diversas vezes:
- Quando você vai me levar com você, mamãe? É hoje ou é outro dia? Mamãe, eu quero ir com você . Aonde você mora? E a vovó?
Não consegui responder nenhuma das perguntas que ele me fazia. Só o que eu conseguia pronunciar era: "Eu volto amanhã, W. Você vai dormir e acordar e eu vou voltar pra te ver de novo, tá?"
E ele insistia: "Mas você vai me levar, né, mamãe? Você não me deixar aqui não, né?"
Impossível não ter o coração esmigalhado com essas perguntas que você não pode responder para não gerar ansiedade na criança.
Saímos da sala, mãe e filha ou mãe e avó emocionadas e cheias de vida porque aquele encontro fora muito mais que mágico.


Enquanto nos dirigíamos para a recepção, Dona Flor parou, olhou-me nos olhos e perguntou:
- E aí, Elaine? O que você acha? Já dá pra responder alguma coisa?
Fiquei uns instantes em silêncio e não pensei em nada. Senti meu coração bater e o sangue pulsar. E, naquele calor de 31 graus, veio uma brisa fresca que me despenteou e me deixou leve.
- Sim, mãe. São eles. Eu não sei o porquê e nem quero saber. Mas meu coração está dizendo que eu os encontrei.
Nos abraçamos e, mais lágrimas. Aí ouvi uma declaração marcante da minha mãe, que me fez ainda mais confiante:
- Que bom, filha. Que bom. Eu vou ser sincera... eu também senti que aquelas crianças já são meus netinhos amados. 


E no meio de tanta lágrima e suor, sorrimos com muita felicidade no coração.
Continua...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

MOMENTOS DECISIVOS

Vou agora relatar a parte que mais me causou comoção. Ainda era 17 de Dezembro. E meu coração tinha muito mais a suportar. Muita coisa para um único dia, mas agradeço por tudo ter vindo de uma vez; assim fora melhor porque eu aprendi que aguento muito mais do que eu imaginava. 
Boa leitura!




- Quem quer me conhecer? Aonde ela está?
Fiquei estática. E a Sra. S entrou na sala com o pequeno W.
Não pude evitar o sorriso misturado com as lágrimas.
Meu Deus! Ele era tão pequenino, tão fofo, tão meigo! A pele parda, aqueles cabelinhos cacheados, como de um anjinho, só que negros como seus olhinhos. Me aproximei e pedi um beijo e um abraço, no que fui atendida prontamente.
- Por que você está chorando? – ele me abraçou. – É você que vai ser a minha mamãe?
Enquanto eu limpava as lágrimas e pensava no que falar, a Sra. S interferiu:
- W, ela veio te conhecer. Depois a gente fala sobre isso.
- Mas, tia S, ela é a minha mamãe!
Eu gargalhei. Nunca ouvira uma afirmação com tamanha seriedade.
- Bom, vou deixar vocês aqui e vou buscar a Y. – disse a Sra. S.
Aí entrei em desespero. Fui tomada pelo pânico e pelo medo.
Enquanto aguardava a chegada da Y, o W e eu começamos a conversar e nos conhecer. Tivemos uma afinidade muito rápida. Ele logo veio para o meu colo e me encheu de perguntas: “Qual o seu nome? Quantos anos você tem? E quem é você? E você mora onde? E para onde você vai agora? Qual é mesmo o seu nome? Como é a sua casa? E quantos anos você tem? Você vai me levar com você?”
Então a Sra. S entrou na sala com a Y nos braços, chorando.
Meu coração apertou. Que judiação! Será que ela sentia dores?
Coloquei o W no chão e me aproximei para pegar a Y nos braços. Não, ela não foi nem um pouco receptiva. Virou as costas e berrou. E eu, claro, fiquei sem jeito, sem saber o que fazer.
- Pode pegar. – disse a Sra. S – Se formos esperar, ela não vai parar de chorar nem ir pro seu colo espontaneamente.
Estendi meus braços e o choro aumentou. Passei as mãos nas costinhas dela dizendo: “Vem um pouquinho comigo, Y.” E ela começou a se debater.
A Sra. S colocou a pequena Y em meus braços e o choro transformou-se em gritos de desespero. E ela puxou meus cabelos (que precisei prender depois), arranhou meus braços, pescoço e face. E a Sra. S ficou no canto da sala, apenas observando meu olhar desesperado pedindo socorro.
- Ela é assim mesmo, não se assuste.
E eu tentei abraçar, tentei beijar, brincar, cantarolar, fazer cócegas... nada funcionava! Decidi colocá-la sentada no chão. E assim deixei, até que, com muito custo, ela ficasse um pouquinho mais calma. E peguei brinquedinhos para me aproximar, mas a pequena Y resmungava brava e virava o rosto.
Tentei a todo custo evitar a situação que seguiria, mas era impossível! Comecei a observá-la e ao mesmo tempo procurar entendê-la. Tão pequena e tão valente. Um dos olhos não tinha rumo certo; parecia estar perdido, pois ela não o controlava – mexia intensamente de um lado para o outro, para cima e para baixo. Metade da sobrancelha não existia, apenas uma pele fina, tão esticada que parecia que a qualquer momento iria se rasgar, vermelha e muito brilhante. Dava para notar perfeitamente que aquela pele fora tirada de outro canto do corpo, porque estava remendada. De um canto a outra da testa uma cicatriz. Cabelos ralos e entre eles  outras cicatrizes de corte; além disso, da metade do crânio para baixo outro pedaço de pele que fora colocado ali, como um remendo. Cicatrizes e mais cicatrizes de pontos. O nariz pequeno e era lindo, uma pena ter apenas uma narina perfeita, a outra, sem carne ou pele, deixava os pelos expostos. A boca, totalmente repuxada no canto direito deixava pequenos dentes expostos; dentes pequeninos e já com sinais de cárie. Criei uma linha imaginária e dividi a face em duas partes. Um lado perfeito, delicado, sobrancelha arqueada e bem desenhada sobre um olho bem feito e claro, na cor cinza, lindo. Aquele narizinho como se tivesse sido pintado por um pintor e abaixo aquele lábio fino e que, junto com o queixo, fechava uma escultura em carne e pele. O outro lado, oh, meu Deus... era como um rostinho de uma boneca de cera derretida.

Então não pude me conter. Meu coração estava machucado agora. Trincou-se e os pedaços pareciam cair ao chão. Um desejo súbito de sair da sala me tomou, não porque eu a rejeitasse, pelo contrário, queria correr descontroladamente até encontrar os monstros responsáveis por aquilo. Meus olhos viam, mas minha mente não queria acreditar. Que sensação de revolta me consumiu! Duas lágrimas grossas escorreram pela minha face tentando acalmar meu coração despedaçado. O que eu via ali era uma cena muito além da minha realidade, do meu mundinho. É como se eu vivesse num universo paralelo ou participasse de uma cena de um filme.
Chorona? Estressada? Geniosa? Nervosa? Como podiam  caracterizar aquele bebê assim?
Oras, estava estampado que ela estava tentando apenas se defender... ela sabia que era sozinha... 13 meses em um hospital com pessoas estranhas, nunca encontrando um colo de mãe, depois mais 5 meses num abrigo com outras pessoas que ela também não sabia quem era. Ela estava jogando e tentando sobreviver. Todos eram uma ameaça. Em quem confiar? Não havia ninguém para defendê-la.
O pequeno W aproximou-se e olhou para a Y durante muitos segundo:
- Ela é dodói, você sabia?
Haja coração! Outra criança sentindo tristeza pela outra!
Então eu vi suas pequenas mãozinhas fazendo carinho nos braços dela. Os braços da Y eram cheios de quelóides e foi então que notei a falta do dedo mínimo naquela mãozinha tão pequena e rechonchuda.
Quando senti que meu pranto aumentaria, prendi o fôlego, limpei as lágrimas e só depois expirei. Um pensamento veio à minha cabeça tão perturbada. Olhei para a Sra. S e falei:
- Você poderia chamar a minha mãe?


Continua...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

AGUENTA UM POUCO MAIS CORAÇÃO

Bom, vamos lá, queridos leitores!
Continuarei a descrever tudo que passei e senti em um único dia. Sim, você já leu duas postagens anteriores, mas aqui eu continuo falando do mesmo dia, que parecia não ter fim. Foi muita emoção para um único dia. Foram muitas sensações para uma única pessoa.
Aqui, eu declaro com todas as palavras: aquele dia transformou a minha vida e passou a ser o dia mais importante dela.



Ainda era o dia 17 de Dezembro de 2009.
Eu já havia pego a permissão para a entrada no abrigo. Eram aproximadamente 16h30min. Minha mãe (aquela tal de Dona Flor, minha amiga, minha coluna, meu alicerce, meu exemplo e tantos outros adjetivos quantos eu possa caracterizá-la) me acompanhava. Não posso precisar qual de nós duas estava mais nervosa ou emocionada.
Paramos em frente ao portão daquele sobrado que mais parecia uma prisão. Tudo era “lacrado”, nada se via. Toquei a campainha. Depois de alguns minutos, que para mim pareceram horas, ouvi o interfone:
- Pois não?
Garganta seca; não sei se devido aos 31 graus que faziam e desidratavam qualquer corpo ou se devido ao nervosismo. A voz quase não saiu. Suspirei fundo:
- Oi, eu sou a Elaine. Fui encaminhada pelo Fórum da Lapa para conhecer o W e a Y.
- Você está com a autorização em mãos?
- Sim.
- Aguarde. –e desligou.
Milhões de pensamentos inundaram minha mente. Eu nunca havia estado em um abrigo. Como deveria ser? Pensei nas imagens que eu assistira em telejornais e fotografias de jornais. A maioria muito triste, com sinais de abandono. Procurei fazer um mesclado e puxei imagens de creches e escolinhas públicas. Quando voltei à realidade, vi minha mãe chorando e, inevitável, comecei a chorar também. Infelizmente, nada pude dizer porque o pequeno portão se abrira.
Era a Sra. F. Ela permitiu que entrássemos e se apresentou. De cara, fiquei surpresa. Que lugar tão lindo e organizado! Logo na entrada estava um mini parque com balanços, gangorras, gira-gira, trepa-trepa e muitas motocicletinhas coloridas “estacionadas” lado a lado.
- Eu mandei separar as crianças. Quando elas estiverem prontas, vocês poderão descer.
E ficamos ali, na recepção, apreensivas, com milhões de dúvidas, perguntas e ansiedades, mas permanecíamos  em silêncio.
A Sra. F então comentou que, naquele horário, as crianças tiravam a soneca da tarde. E eu aproveitei para perguntar do W e Y.
Ela olhou nos meus olhos seriamente e falou:
- Você está pronta para o que verá?
Tomei um choque com a pergunta e com o tom e frieza da voz da Sra. F.
- Sim, a assistente social, a Sra. X, me explicou.
- É, mas às vezes eles não falam a verdade nua e crua, tentam amenizar.
- Em relação à Y, me falaram que ela tem cicatrizes, mas que não corre perigo de vida.
- Mas falaram que são feridas ainda muito recentes e a proporção delas?
Fiquei quieta. Preferi continuar a ouvir.
- Bem, o W é um garoto esperto e falador. Ele não compreende que a Y é sua irmãzinha, até porque ela passou 13 meses internada e, mesmo aqui, há 5 meses, eles ficam separados devido à faixa etária.
A cada minuto meu coração batia tão forte que eu tinha a impressão que todos ouviam.
- Já a Y é complicada. Ela não vai com ninguém, chora muito, não fala nada nem engatinha. É muito nervosa e tudo é na base do choro. Ela chora praticamente o dia todo, menos quando está dormindo. Apesar de já ter 1 ano e meio, tem características psicológicas de um bebê de 8 meses e é extremamente estressada. Eu posso até dizer que ela é geniosa.
Então o ramal tocou, impedindo que eu fizesse qualquer comentário. A Sra. F atendeu e em seguida disse-me que eu poderia descer.
Pronto! Ai, meu Deus! O desespero tomou conta de mim, me possui e comecei a tremer. Segurei as mãos da Dona Flor e disse:
- Mãe, eu quero ir sozinha. Depois que eu vê-los, a senhora pode descer. É que eu quero tomar a decisão sozinha, sem ser influenciada por ninguém. Quero ouvir a voz do meu coração para não me arrepender depois.
Dona Flor me abraçou, ainda chorando, e soltou confortantes palavras ao meu ouvido:
- Tudo bem, filha. Esse é o seu momento. Eu já tive o meu há muito tempo. Vá lá e deixe Deus tocar em você. Independente de qual seja sua decisão, sabe que apoiarei.
Saí da recepção e desci as escadas sentindo o estômago vazio dar cambalhotas, o peito doer e uma sensação como se um ácido corroesse todos os meus órgãos internos. E, para completar, senti cólicas insuportáveis e tive quase a certeza que estavam sendo cravados pregos em minha nuca e testa. “Puxa vida! Será que parir é assim?” – pensei.
Na entrada da outra casa, encontrei a Sra. S, que me explicou que eu ficaria numa sala, separada com os dois. Entrei e fiquei indecisa por qual cadeirinha colorida escolher, pois pareciam que desmontariam com meu peso. No que eu sentei, a Sra. S foi buscá-los. A sala parecia ser utilizada para recreações e atividades educativas porque era cheia de desenhos e brinquedos também educativos. E foi então que ouvi passos rápidos, praticamente correndo e uma voz delicada perguntando:

Continua...