quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A HORA DA VERDADE

Eu já havia abandonado a segurança do meu mundo por amor.
Eu sabia o que queria.
Mas nem sempre querer é poder.


Era hora de voltar para o mundo real.
Estava tudo muito bom. Estava tudo muito bem. Mas no faz de conta. Apenas nos meus planejamentos.
Que tal recapitular?
Planejamento: Dossiê de adoção - aprovação - fila de espera. Enquanto permanecia na fila de espera: terreno, obra, construção, casa, acabamento, mobília.
Realidade: desemprego, terreno, obra inacabada, sem dinheiro e... duas crianças?

Levei um bofetão de mim mesma. Caiu um balde de água gelada sobre a minha cabeça. Tomei uma descarga elétrica.

Tudo que acontecera na sexta-feira tinha sido encantador, mágico, emocionante, quase um capítulo final de uma novela mexicana, um verdadeiro conto dos irmãos Grimm.
Agora era sábado de manhã e eu acabara de acordar. Eu só dormi porque tomei um calmante. E eu só tinha sábado e domingo para ter certeza da resposta que eu daria à assistente social, na segunda-feira. E a resposta que eu desse mudaria minha vida para sempre e, dependendo da resposta, não apenas a minha vida, mas de todos que estavam à minha volta e, principalmente, de quem entraria nela.

Ainda lutando contra mim mesma, fiquei por horas na cama avaliando prós e contras. Pelo incrível que parecesse, havia bem menos coisas contras, porém elas tinham um peso muito maior. Decidi ter a palavra final com Dona Flor, a grande matriarca.

Estávamos sentadas na cozinha, mãos sobre a mesa.

- Mãe, não dá. Precisamos cair na realidade. Eu quero, mas preciso entender que agora não dá.

- E por que você acha que não dá? - indagou Dona Flor com olhar aflito.

- Oras, mãe... eu ainda não me recoloquei profissionalmente. Já estou desempregada há mais de 6 meses... - antes que continuasse, ela interrompeu.

- Não está trabalhando porque disse que queria organizar primeiro todos os documentos pendentes do seu terreno e planejar a construção da casa do jeito que você sempre quis.

- Mas mesmo assim, mãe. São duas crianças. Gasto dobrado. E você sabe que todo meu dinheiro foi para quitar o terreno e levantar a casa. Não tenho dinheiro para o acabamento.

- Elaine,filha, sei que em breve você estará empregada e poderá terminar sua casa. Enquanto isso as crianças ficam aqui, qual o problema? Espaço não falta. Você pode até montar um quarto para as duas ou se quiser, um quarto para cada um. Olha o tamanho dessa casa apenas para três crianças. Para que eu quero dois quartos sobrando?

- Mãe, as crianças não vivem só de dormir. Elas comem, bebem. Vão precisar de roupas, brinquedos...

- Você não tem a poupança delas? De início você pode usar um pouco do dinheiro para essas coisinhas. Quanto a comer e beber, você pode deixar comigo e com seu pai. Além de não fazer diferença, teremos o maior prazer em ter essas crianças aqui.

- Mãe, você sabe que a poupança é para cursos e faculdade. E tem outra, não quero vocês sustentando meus filhos. É um problema meu, eu quero administrar!

- E para quê existe pai e mãe se não for para ajudar os filhos? E sobre a poupança, você continua depois.

- Não. Não é assim. Eu nem sei quanto tempo vou ficar desempregada.

- Filha, você é formada, tem experiência. Tenho fé em Deus que já já estará empregada, cuidando e criando seus filhos, terminando sua casa e, depois, ficando sossegada.

Fiquei em silêncio. Impossível querer argumentar com Dona Flor. Ela tinha réplica para tudo. Abaixei a cabeça, suspirei e falei, sem olhar para ela:

- Mas eu decidi. Vou ligar para a Sra. X e dizer que não será dessa vez. Você me conhece; eu vivo com os pés no chão. Não sei sonhar.

- O quê??? - Dona Flor levantou-se num acesso de indignação. - Você terá coragem de deixar aquelas duas criaturazinhas, que você sentiu serem seus filhos por causa de um orgulho bobo? De jeito nenhum!!! Não vou deixar!!! O Fórum nem precisa saber que você está desempregada. A princípio não será como você quer, mas nada faltará à essas crianças. Depois que você começar a trabalhar será do seu jeito.

- Mãe, não é assim que funciona! Eu ainda não estou preparada e sei que elas apareceram agora exatamente para eu perceber que não é o momento.

- É o momento sim! E é o momento para te desafiar e mostrar do quanto você é capaz!!! Não está preparada? Ah, mas vai aprender! São elas e pronto. E quer saber? Eu não vou ficar sem aquelas crianças!!!

- Mãe, quem decide sou eu, não é assim!

- É assim, sim! Eu já não garanti que não deixaremos nada faltar. Elas não terão vida de artistas, mas todo o essencial elas terão! E terão o mais importante que é um lar, uma família, uma mãe e muito, mas muito amor!!!

Em fração de segundos avaliei a situação sob o ponto de vista da Dona Flor. Estaria ela certa? Estaria sendo levada pela compulsão? Ou estaria eu sendo pessimista demais? Ou orgulhosa e medrosa demais?

Meu coração já tinha uma decisão. Mas eu nunca ouvira o coração; quem reinava era a razão. E, sem deixar a razão falar primeiro, decidi:

- Ok, mãe. Você me convenceu. Segunda-feira ligarei para a Sra. X e direi que ficarei com as crianças.


Dona Flor voltou a ser aquela mulher doce, serena como seu próprio nome. Sorrindo veio me abraçar. Abraço macio, gostoso, mesmo com os quase 33 graus de temperatura ambiente.


E assim ficou decidido.

Se, antes de pegar o telefone e ligar para o Fórum eu pudesse ter a oportunidade de prever, ao menos, alguns dias do futuro, seria bem provável que eu desse outra resposta e não tivesse nada disso para escrever. Hoje, que já é 08 de Setembro de 2011 e, daquela situação exposta e conversada, nada mudou.

Incrível a diferença entre um sim e um não. Espetacular o poder destas palavras que contém apenas 3 letras. Elas são capazes de mudar o presente e um futuro todo pela frente.

Continuo aqui, aflita, desesperada. Na verdade, estou me sentindo cansada porque eu corro, corro e corro, mas parece que a linha de chegada nunca chega. Eu faço e refaço, mas nada acontece. Está tudo estagnado.

Minha fé fica abalada. Há momentos em que o arrependimento me sobe à cabeça. Não pela adoção, não pelos meus filhos. Eu os amo e isso é indiscutível. Mas, como mãe, que quer o bem deles eu me pego a pensar:


"Se eu tivesse dito não, toda a história deles mudaria. Provavelmente hoje eles estariam com uma família de status, usando roupas e sapatos de grife, estudando no melhor colégio, tendo a oportunidade de viajar em cada feriado ou fim de semana. Estariam rodeados com os mais incríveis brinquedos. Teriam e conheceriam o melhor: os melhores lugares da cidade, a melhor comida e a melhor bebida. Teriam um casa ou apartamento grande e espaçoso, que proporcionasse muito mais conforto. Um condomínio fechado, com segurança, playground, piscina. Ah, com certeza teriam a comemoração de cada ano no melhor salão e buffet infantil da cidade. Seriam acompanhados pelos melhores profissionais da saúde. Provavelmente já praticariam natação, judô, futebol, balé, inglês, espanhol.
E comigo, o que eles tem? Tem de tudo, porém do mais simples. Estão numa escolinha municipal e mais o quê?
Agora a verdade corrói minha alma porque eu noto o quanto fui egoísta. Se eles não estão com o que merecem de melhor é unica e exclusivamente por culpa minha, que não deixei o caminho deles livre.
Todos os dias, silenciosamente, peço perdão a cada um deles porque eu sei que errei.
Errei mas, do fundo do meu coração, foi com muita vontade de acertar."



Todos os dias olho para o céu e converso com Deus. Peço força e ajuda. Pergunto qual a razão de cada porta fechada... mas Ele não me responde e parece nem me ouvir.
Arrependida e desconsolada, eu tenho a sensação que Deus me esqueceu.
Continua...