O fato que vou narrar aconteceu na última sexta feira, 07/12/12, mas a imagem parece ter sido tatuada na minha mente. Por mais que eu faça esforço para esquecê-la, apagá-la, me parece totalmente impossível.
Aquela sexta não foi nada fácil para mim. O dia não foi produtivo, não consegui fazer contatos comerciais e isso mexeu amargamente com meu humor. Além disso, desde que a Rebecca fez a cirurgia ando com os nervos à flor da pele, tensa, preocupada, noites mal dormidas, sem contar o stress que sinto todas as terças feiras quando vou levá-la ao IAMSPE (Hospital do Servidor Público Estadual) para que seja injetada a solução em seu expansor tecidual. Além da viagem longa, de aproximadamente 3 horas para a ida e mais 3 horas para a volta - são um total de 6 ônibus, fora o calor e trânsito - tem a própria espera dentro do hospital porque muitas vezes os médicos estão ou em cirurgia ou em outros procedimentos de urgência, já que o tratamento é acompanhado pela unidade de Queimados. Depois ainda tem o procedimento em si, que irrita a Becca, ela fica com medo, acha que fará nova cirurgia, e a própria injeção da solução é um procedimento incomodo; não diria doloroso, mas conforme há expansão, há naturalmente uma pressão entre o crânio e o couro cabeludo, já que o mesmo está sendo "esticado". Logo, tudo isso tem contribuído, e muito, para meu humor não andar muito bem, muito menos minha paciência.
Enfim, nestes últimos meses estou extenuada, sem forças físicas ou psicológicas.
Mas, voltemos ao assunto inicial desta narração. Na verdade descrevi o meus estado de espírito para que vocês possam entender porque fiquei tão abalada.
Saí do trabalho umas 20h15min. Segui caminho até o ponto de ônibus, cansada, mas ainda tinha que passar numa farmácia de manipulação para pegar o remédio para a Rebecca. Teria que fazer um caminho muito mais longo, o que faria com que eu chegasse mais tarde em casa, e, provavelmente não veria meus filhotes mais... estariam dormindo.
Desci num ponto próximo à farmácia, andei cerca de 20 minutos, peguei a fórmula e ao sair vi um supermercado. Não resisti à tentação de entrar e comprar alguma "besteirinha" para agradar meus filhos, mesmo que fosse no dia seguinte. Como estava cansada , não estava nem um pouco a fim de ficar andando... entrei direto na sessão de chocolates/bolachas. Não pensei duas vezes e peguei 2 caixas de Bis, uma de sabor Chocolate ao Leite e outra de Chocolate Branco. Paguei e voltei ao ponto de ônibus, com uma vontade desesperadora de ir para casa.
Lá estava uma mulher, aparentemente mais nova que eu acompanhada por 3 crianças. Não tenho certeza das idades, mas a mais velha, um menino, não passava dos 4 anos. A do meio, uma menina, provavelmente estava com 15, talvez 18 meses porque percebia-se que ela ainda estava aprendendo a andar. A menor, ainda no colo, calculo que deveria ter uns 5 meses. Tanto a mãe quanto as crianças estavam com roupas bem simples... as crianças com roupas bem maiores que elas e os calçados também. Estavam despenteados, sujinhos e com um semblante muito, muito triste. Não sou hipócrita; a cena me causou choque, senti um vazio dentro do meu ser que não sei explicar. Evitei ao máximo não olhar para eles porque eu sei que acabaria me envolvendo de alguma maneira. Então comecei a mexer no celular, mas minha mente estava longe porque eu só pensava que o mundo era muito desigual. Lembrei imediatamente dos meus filhotes, que aquelas horas já haviam tomado banho, jantado, escovado os dentinhos, com pijamas confortáveis e dormindo em lençóis coloridos e perfumados. E a sensação de incapacidade foi tomando conta do meu coração; não sei o por quê.
Enfim, o ônibus parou. A mulher pediu ao motorista que a deixasse entrar pela porta traseira. Enquanto ela se dirigia com os filhos para o fundo do ônibus, entrei e paguei a passagem. Foi então que vi os 4 espremidos entre 2 bancos. Ouvi o choro aguçado do bebê e o desespero da mãe tentando acalmá-lo. Em meio ao escândalo, ouvi o menino falar para a mulher:
- Mãe, eu tô com fome! Eu quero comer!
Talvez por estar irritada com o choro agudo do bebê, a mulher beliscou o primogênito e respondeu brava:
- Você sabe que não tem comida! Então fica quieto se não vou te bater!
Antes mesmo que ela terminasse a frase, a menina também sussurrou:
- Oh, mãe, eu também tô com fome!
Ao invés de prestar atenção na próxima atitude da mãe, aceleradamente meu cérebro entrou em processamento: "Meu Deus, as crianças estão com fome. E agora? O que você vai fazer Elaine?"
Sem muito pensar dei as duas caixas de Bis nas mãos da mãe e apenas disse:
- Olha, dá pra eles... engana a fome até vocês chegarem em casa...
Mesmo sabendo que eles chegariam em casa, eu temia que lá também não houvesse nada para comer, porém não perguntaria.
A mulher apenas sorriu, talvez por vergonha e os olhos das crianças brilharam de alegria.
Aquilo poderia acalmar meu coração, mas a cena seguinte foi muito mais chocante do que ver as crianças reclamarem de fome.
A mãe abriu uma das caixas de Bis e entregou um para a menina e outro para o menino. Eles sorriram. E, para meu espanto, ambos colocaram o pequeno doce inteiro na boca... mas com embalagem. E mastigavam vorazmente, sem notar ou achar um gosto estranho pelo conteúdo da embalagem que era meio metálica.
- Que isso, menino? Tem que abrir primeiro! - e a mulher bateu na mão da menina.
- Abrir o que, mãe? - indagou o menino, ainda mastigando o doce que já estava totalmente misturado com a embalagem.
- Assim, ó... tá vendo, tá vendo? - a mulher abria um enquanto explicava.
Mas, tanto o menino quanto a irmãzinha já estavam engolindo o que já havia sido mastigado, sem demonstrar preocupação.
Então eu senti um nó sendo feito na minha garganta. Um nó sem pontas.
Meu Deus! Eles nunca haviam comido um chocolate! Tudo bem, não quero julgar a proporção da "pobreza", mas eles não sabiam que alimentos vinham em embalagens? Ok, era um chocolate, talvez algo que as condições da mãe, infelizmente, não pudera proporcionar a eles. Mas será que nunca tinham ganhado uma bala?
Houve um misto de revolta, dor e amarga tristeza dentro de mim. O nó que havia se formado em minha garganta me sufocava... não resisti... deixei que as lágrimas escorressem pela minha face. E desci no próximo ponto porque aquilo era demais para o meu coração, que estava em cacos.
Puxa, eu poderia ter feito mais!
Puxa, eu não vou resolver todos os problemas do mundo!
Se eu ajudar 3 crianças ainda existirão 3 bilhões sem assistência!
Ok, não vou resolver, mas fiz minha parte!
Fiz minha parte? Não! Isto não me conforta!!!
Sempre ODIEI falar de política e religião, mas naquela hora eu xingava os governantes:
Cadê o tal Partido do Trabalhador e aquela marionete, que vomitava vir do povo e por isso mudaria tudo? Cadê você, Lula??? Cadê o Bolsa Família? Cadê o Brasil Sem Fome??? Cadê a PORRA do Plano de Aceleração do Crescimento? Cadê você, companheiro, que ficou 8 anos no poder e se quer conseguiu alterar as taxas de pobreza???
Cadê o Brasil país de todos?
Puxa, peço perdão... esqueci que enquanto haviam mensalões e dólares na cueca, você não estava vendo nada!
Já se passaram 2 dias e eu continuo incomodada, revoltada e esse nó na garganta não é desatado!
Deus, me ajude a esquecer... é só o que tenho de pedido hoje!
Cadê o Brasil país de todos?
Puxa, peço perdão... esqueci que enquanto haviam mensalões e dólares na cueca, você não estava vendo nada!
Já se passaram 2 dias e eu continuo incomodada, revoltada e esse nó na garganta não é desatado!
Deus, me ajude a esquecer... é só o que tenho de pedido hoje!
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração?
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração?
(Plebe Rude - Até quando esperar)





.jpg)

Texto perfeito, e de indignação igual. Beijo, Luciana Torres - Brasília - DF
ResponderExcluir